domingo, 18 de julho de 2010

Quando fico de cabeça vazia tenho um medo danado de subir a escada no escuro, de abrir a porta de noite e ficar sozinha no quarto, com o meu vazio. De cabeça vazia eu durmo direito, eu deito melhor e o lençol fica mais macio. Sinto saudade da minha mãe, das minhas amigas e dos desenhos que eu pintava com tinta guache de manhã. Procuro as camisolas com desenhos coloridos, sento perto da janela e percebo que durante muito tempo, de cabeça vazia, eu quis estar onde eu estava agora, ter a idade que eu tenho, poder namorar, sair, fofocar e ter histórias pra contar de verdade. Então percebo que não tenho saudade de ser criança, na verdade eu só tenho medo de crescer mais que isso, ter de ser mais que sou. Responsabilidade é uma bigorna pra quem foi criado com zelo.
Eu tenho medo de crescer. Eu tenho medo de ter que dirigir e poder atropelar alguém, de ter que pagar contas e poder ser assaltada, de ter medo de tudo porque crescer é ter que andar de olho aberto sempre, tudo é mais cinza, porque o mundo é cinza com essa poluição toda de fumaça, de coração.
Eu não quero crescer, porque eu ainda não sei cuidar de alguém, eu não sei nem cuidar de mim, ser mãe é coisa de sorte, ou sabe ou não sabe, eu dei muita sorte, minha mãe sabe. Não perguntei se ela tinha medo de crescer, porque minha mãe sempre foi grande, sabe? Ela sempre andou com as pernas dela, somente com isso e crescer foi só mais uma dessas coisas que acontecem na vida da gente, como aprender a fazer café.
Eu ando de muleta por aí. Pra cuidar de alguém a gente tem que segurar na mão da pessoa, uma coisa assim, e se eu segurar na mão de alguém, ou essa pessoa vai ter que me apoiar, ou nós duas caímos.
Eu tenho medo de crescer. Porque a primeira transa não é que nem o primeiro beijo, depois disso não tem mais nada, só responsabilidade, não se imagina mais nada, só se pensa pra sentir. As pessoas pegam caminho, criam laços opostos e dispostos ao afastamento. Elas crescem e aparecem, é a pura verdade. Elas aparecem sozinhas, de um modo que só elas se bastam e o mundo vive esse festival de pontinhos egocêntricos e errôneos.
É por isso que tá tudo meio errado e triste, porque os adultos de hoje são crianças precoces. Um dia a gente aprende a dividir o lápis e no outro dia a gente tem que dividir nossa vida com alguém, fazer essa pessoa entender o que passa dentro da gente pro coração dela acalmar. Mas você nem sabe quem é, aprendeu um dia desses que viemos de uma sementinha plantada com muito amor, mas você não sabe plantar uma sementinha ainda e por isso tantas crianças são sós. É um ciclo vicioso, viciante. Porque ser adulto é fazer o errado sem saber porquê e ainda dizer que é certo, só pra não parecer errado, porque são tantas dúvidas que nos cercam, que não queremos outras pessoas duvidando da gente.
Eu tenho medo de crescer, porque ser adulto é ter mais medos do que agora. Todo mundo espera alguma coisa de você, mesmo sem nem saber quem você é, se um dia for educado, tem que o ser sempre. Se um dia cometer um erro, todo mundo acha que cometerá sempre. Eu tenho medo de crescer, porque crescer bem requer sorte e sorte é uma coisa que não se vende e não se ganha. Ou se tem ou se perde.
E principalmente eu tenho medo de crescer e esquecer de quem eu fui e do porquê de ter tanto medo de crescer, eu tenho medo de crescer, porque o mundo não vai mudar até lá. O mundo é mundo desde que minha vó se entende por gente e antes da minha vó existiram outras pessoas grandes, que conheceram o mesmo mundo que conheço hoje.
O mundo é mundo desde que todo mundo ache que tenha que ser assim.

Um comentário:

  1. Que texto lindo. Realmente crescer não é uma tarefa facil , ja pensei varias vezes nisso. Tambem tenho "medo" de crescer, medo das responsabilidades, de não ter mais a minha mãe ali dizendo pra mim que tudo vai ficar bem. É medo de caminhar com os própios pés.

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